sábado, 15 de outubro de 2011

Loucos felizes!



“O hábito não faz o monge”, diz o provérbio, mas sem dúvida chama um pouco, ou muita, atenção. Talvez uma criança curiosa nos tenha incomodado com perguntas inocentes querendo saber: por que é que aquela pessoa estava vestida daquela maneira? Claro que podemos sair da pergunta com uma resposta curta: é uma freira, é um frade. E se a criança insistir, desejando saber mais, saberíamos responder à altura e com gosto? Ou responderíamos um “deixa lá”, equivalente a não saber ou ao não querer responder?
Tenho a certeza: digam o que quiserem, finjam não ver, ignorem a presença deles e delas, mas os religiosos e as religiosas chamam a atenção. Não porque queiram isso. Mas, ou por usarem o hábito, ou pela sua forma de ser, obrigam-nos a perguntar porque é que eles e elas escolheram aquela forma de viver. Por quê?
Insisto sobre os questionamentos pelo facto de a vida religiosa também ter mudado. A freira que anda pelas casas do bairro pobre, é formada em pedagogia e está a estudar ciências sociais. O monge, que abre a porta do convento e acolhe os mendigos, é mestre em letras pela PUC de São Paulo. O frade que anda de bicicleta, que foge os buracos e da lama, é advogado. A irmãzinha, que está com as crianças na creche, é enfermeira diplomada e continua a estudar medicina à noite. O irmão, que está no acampamento dos sem-terra, é doutor em teologia. E assim poderíamos continuar.
Quem tem uma imagem dos irmãos e das irmãs como de “coitadinhos” meio perdidos e fora do tempo, está muito enganado. Não somente porque eles e elas, hoje, estudam mais, mas porque continuam a saber muito bem o que querem. Eles têm um grande projecto de vida. Querem ser felizes vivendo o Evangelho. Querem contribuir com a sociedade de hoje, seguindo as pegadas de Jesus Cristo.
Se a vida religiosa podia parecer, no passado, um refúgio para ter uma “certa” tranquilidade, ou uma fuga por medo das coisas perigosas do mundo, hoje é exactamente o contrário. Vida religiosa não é para pessoas fracas. É cada vez mais exigente. O celibato para o Reino de Deus e a virgindade consagrada, dizem, são coisas para sexualmente frustrados. A pobreza é considerada excesso de loucura e inaptidão administrativa. A obediência, uma inútil inibição dos projectos pessoais, uma afronta à liberdade individual. Essas coisas são loucuras, claro, mas só para os acomodados, os que ficam alucinados e iludidos pelas coisas do mundo, para os que adoram encontrar defeitos nos outros e só sabem criticar. Por isso, a vida religiosa sempre será questionada e sempre chamará a atenção. O caminho é difícil e a porta estreita. É preciso empurrar para entrar, não é para todos.
Se não entendemos tudo isso, ou não sabemos responder bem às perguntas acima, tenhamos ao menos o bom senso de não falar à toa e, quem sabe, aprendamos a agradecer a essas pessoas, que pagam com a própria vida as suas escolhas. Se não fosse assim, a Irmã Dorothi não teria morrido. O Padre Bossi, do PIME, não teria sido sequestrado, lá nas Filipinas. Os religiosos e as religiosas podem ter muitos defeitos, como todos, mas não são nem estúpidos, nem ingénuos.
A chamada crise da vida religiosa pode ser pela quantidade, com certeza não é pela qualidade. Talvez aos jovens, hoje, falte coragem. Estão a ser vencidos pelo medo de seguir, até ao fim, o projecto de Jesus. Sentem medo de parecer diferentes ou de incomodar aos outros; de começar a mudar a história, mudando a própria vida. Por isso Jesus repetiu tantas vezes aos discípulos: não tenham medo… E o repete ainda em nossos dias. Para nós todos.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá- Brasil