quinta-feira, 30 de abril de 2015

Professor entrega flores a PM e recebe balaço de troco


O professor Dilson Bortolzanza, de 54 anos, que foi visto na manhã desta quarta-feira (29) enquanto entregava flores aos policiais militares, foi atingido por uma bala de borracha mais tarde, durante a guerra que tomou conta do Centro Cívico, em frente à Assembleia Legislativa do Paraná.
Dilson, que dá aula de educação física em Mandaguari, no norte do Paraná, estava em Curitiba apenas lutando pelo direito dele e de todos os outros professores estaduais. O professor, que deverá se aposentar em julho deste ano, não pensava só nele, mas sim em prol dos diretos dos servidores públicos.
A entrega das flores, virou dor. Dor não só física, mas sentimental, de um homem que, nas mãos, tinha flores e não bombas e armas. “Um dos soldados aceitou o nosso simples gesto e recebeu uma flor. Nós não estamos contra eles, muito pelo contrário”, disse o professor antes que tudo acontecesse.
Nas redes sociais, a filha de Dilson, Carolina Werneck, de 26 anos, expressou seu repúdio ao que viu acontecer definindo como: “O governo do Paraná ‘deu um tiro’ no meu pai”. De acordo com a jovem, estudante de jornalismo, ela ligou preocupada para o meu pai, e Dilson atendeu dentro de uma ambulância, porque havia sido ferido na perna por uma bala de borracha. “Minutos depois, vi uma foto no site da Gazeta do Povo, que mostrava um professor baleado. Esse professor deitado no asfalto, sendo atendido pelo Corpo de Bombeiros, é o meu pai”.
Em questão de minutos, a foto tomou conta das redes sociais e mais de 19 mil pessoas compartilharam. A jovem retrucou o ataque respondendo que o pai dela não é um bandido e sim um professor, em todos os sentidos. “Meu pai trabalhou a vida toda como professor de educação física e assim criou a mim e aos meus irmãos. Meu pai nunca roubou, nunca matou, nunca agrediu ninguém. Meu pai vive tentando pegar aulas extras, para que seu salário não tenha um valor ridículo. Meu pai é uma pessoa que sempre detestou brigas. Meu pai não é baderneiro, é um homem honesto e trabalhador, como foi a vida toda. Meu pai teria, portanto, o direito constitucional de ir e vir, mesmo em frente à Alep, mesmo dentro dela, já que aquele é um local público, e não propriedade dos deputados que ali estão, de passagem, porque foram democraticamente eleitos pelo povo, do qual meu pai faz parte”, disse Carolina.
Antes de ser atingido por uma bala de borracha, o próprio professor reconheceu que os policiais estavam lá cumprindo ordens, mas que isso não exclui o que todos sabem sobre a situação complicada que os funcionários públicos passam, mas fez um lembrete importante. “O governador Beto Richa também passou pelo banco das escolas. Ele devia ter, no mínimo, consideração”.
Enquanto Dilson e tantos outras pessoas eram atendidas do lado de fora, lá dentro, o presidente da Alep, deputado Ademar Traiano (PSDB), continuava à sessão como se nada tivesse acontecido.


Fonte: http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/875256/?noticia=PROFESSOR+ENTREGA+FLORES+A+PM+E+RECEBE+BALACO+DE+TROCO

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Fim de uma era, uma nova civilização ou o fim do mundo?

Há vozes de personalidades de grande respeito que advertem que estamos já dentro de uma Terceira Guerra Mundial. A mais autorizada é a do Papa Francisco. No dia  13 de setembro deste ano, ao visitar um cemitério de soldados italianos mortos em Radipuglia perto da Eslovênia disse:”a Terceira Guerra Mundial pode ter começado, lutada aos poucos com crimes, massacres e destruições”.

O ex-chanceler alemão Helmut Schmidt em 19/12/2014 com 93 anos adverte acerca de  uma possível Terceira Guerra Mundial, por causa da Ucrânia. Culpa a arrogância e os militares burocratas da União Européia, submetidos às políticas belicosas dos EUA. George W. Bush chamou a guerra ao terror, depois dos atentados contra as Torres Gêmea, de “World War III”. Eliot Cohen, conhecido diretor de Estudos Estragégicos da Johns Hopkins University, confirma Bush bem como Michael Leeden, historiador, filósofo neoconservador e antigo consultor do Conselho de Segurança dos USA que prefere falar na Quarta Guerra Mundial, entendendo a Guerra-Fria com suas guerras regionais como já a Terceira Guerra Mundial. Recentemente  conhecido sociólogo e analista da situação do mundo Boaventura de Souza Santos escreveu um documentado artigo sobre a Terceira Guerra Mundial(Boletim Carta Maior de 22/12/2014). E outras vozes autorizadas  se fazem ouvir aqui e acolá.
A mim me convence mais a análise, diria profética, pois está se realizando como previu, de Jacques Attali em seu conhecido livro Uma breve história do futuro (Novo Século, SP 2008). Foi assessor de François Mitterand e atualmente preside a Comissão dos “freios ao crescimento”. Trabalha com uma equipe multidisciplinar de grande qualidade. Ele prevê três cenários:
(1) O superimpério composto pelos USA e seus aliados. Sua força reside em poder destruir toda a humanidade. Mas está em decadência devido à crise sistêmica da ordem capitalista. Rege-se pela ideologia do Pentágo do”full spectrum dominance”(dominação do espectro total) em todo os campos, militar, ideológico, político, econômico e cultural. Mas foi ultrapassado economicamente pela China e tem dificuldades de  submeter todos à lógica imperial.
(2) O superconflito: com a decadência lenta do império, dá-se uma balcanização do mundo, como se constata atualmente com conflitos regionais no norte da Africa, no Oriente Médio, na Africa e na Ucrânia. Esses conflitos podem conhecer um crescendo com a utilização de armas de destruição em massa (vide Síria, Iraque), depois de pequenas armas nucleares (existem hoje milhares no  formato de uma mala de executivo) que destroem pouco mas deixam regiões inteiras por muitos anos inabitáveis devido à alta radioatividade. Pode-se chegar a um ponto com a utilização generalizada de armas nucleares, químicas e biológica em que a humanidade se dá  conta de que pode se auto-destruir.
E então surge (3) o cenário final:  a superdemocracia. Para não se destruir a si mesma  e grande parte da biosfera, a humanidade elabora um contrato social mundial, com instâncias plurais de governabilidade planetária. Com os bens e serviços naturais escassos devemos garantir a sobrevivência da espécie humana e de toda a comunidade de vida que também é criada e mantida pela Terra-Gaia.
Se essa fase não surgir, poderá ocorrer  o fim da espécie humana e grande parte da biosfera. Por culpa de nosso paradigma civilizatório racionalista. Expressou-o bem o economista e humanista Luiz Gonzaga Belluzzo, recentemente: “O sonho ocidental de construir o hábitat humano somente à base da razão, repudiando a tradição e rejeitando toda a transcendência, chegou a um impasse. A razão ocidental não consegue realizar concomitantemente os valores dos direitos humanos universais, as ambições do progresso da técnica e as promessas do bem-estar para todos e para cada um”(Carta Capital 21/12/2014). Em sua irracionalidade, este tipo de razão constrói os meios de dar-se um fim a si mesma.
O processo de evolução deverá possivelmente esperar alguns milhares ou milhões de anos até que surja um ser suficientemente complexo, capaz de suportar o espírito que, primeiro, está no universo e somente depois em nós.
Mas pode também irromper uma nova era que conjuga a razão sensível (do amor e do cuidado) com a razão instrumental-analítica (a tecnociência). Emergirá, enfim, o que Teilhard de Chardin chamava ainda em 1933 na China a noosfera: as mentes e os corações unidos na solidariedade, no amor e no cuidado com a Casa Comum, a Terra. Escreveu Attali:”quero acreditar, enfim, que o horror do futuro predito acima, contribuirá para torná-lo impossível; então se desenhará a promessa de uma Terra hospitaleira para todos os viajantes da vida (op.cit. p. 219).
E no final nos deixa a nós brasileiros esse desafio:”Se há um país que se assemelha ao que poderia tornar-se o mundo, no bem e no mal, esse país é  o Brasil”(p. 231).
Leonardo Boff,  é teólogo e escritor.
Fonte: http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/fim-de-uma-era-uma-nova-civilizacao-ou-o-fim-do-mundo/745005/

domingo, 5 de maio de 2013

Bispos ameaçados Por lutarem contra a exploração sexual de crianças e adolescentes, religiosos do interior do Pará viraram alvo de quadrilhas que aliciam as meninas


Nos últimos anos, as denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil têm se multiplicado. Como resposta, o poder público, as organizações não governamentais e os religiosos se uniram em campanhas contra as quadrilhas. Esse embate, no entanto, não é fácil e em pelo menos um recanto do País enfrentar o problema representa sério risco de vida: o interior do Pará. Ali, em pequenas cidades onde a pobreza torna mais fácil o trabalho dos aliciadores de menores e os matadores de aluguel cedem sua mão de obra por poucos reais, os principais porta-vozes da luta contra as quadrilhas são bispos católicos. Instalados há décadas na região, os religiosos sabem muito bem que quem atravessa no caminho dos criminosos vira alvo. No episódio mais recente, há quatro meses, o bispo de Marajó, dom José Luiz Ascona, 71 anos, foi avisado pela Polícia Federal que bandidos articulavam uma ação contra ele. Apesar disso, dispensa a segurança que os agentes lhe oferecem. “Que direito eu tenho de colocar em risco um pai de família?”, questiona o bispo. “Diante da morte, que pode chegar a qualquer momento, Deus me dá coragem.” Além de Ascona, também os bispos de Abaetetuba, dom Flávio Giovenale, e Altamira, dom Erwin Krautler, lutam contra a exploração sexual e sofrem ameaças por isso. 

Como se não bastasse o crime, a faixa etária das crianças que sofrem abusos ou se prostituem tem baixado cada vez mais. Em um dos últimos episódios, descobriu-se uma menina de 8 anos que sofria violência sexual. Algumas vezes, as crianças e adolescentes trocam dinheiro por sexo com a aprovação das próprias famílias, que geralmente sofrem com a pobreza. “Há pais que sabem e outros que fingem não saber, pois se beneficiam da renda que as adolescentes levam para casa”, conta dom Flávio Giovenale, 57 anos, bispo de Abaetetuba, que fica a 60 quilômetros de Belém. Na cidade, formada por várias ilhas fluviais, o tráfego descontrolado de barcos favorece o tráfico de pessoas. Muitas jovens são levadas para o Amapá e depois cruzam a fronteira para o Suriname e para a Guiana, onde são submetidas à prostituição e ao trabalho escravo. Dom Giovenale não tem dúvida quanto à periculosidade das quadrilhas. “Aqueles que promovem a exploração sexual e o tráfico de pessoas são os mesmos que traficam drogas e armas”, diz. Apesar disso, segue o padrão de seu colega de Marajó e, mesmo denunciando constantemente a ação desses criminosos, não lança mão de segurança. “Não gostaria de morrer, mas não acho que seja o caso de andar cercado de agentes”, argumenta. A última ameaça clara contra ele aconteceu no ano passado. 

Dos três, o bispo de Altamira é o único que recorre a policiais para manter longe os bandidos. Isso acontece porque dom Erwin Krautler, 72 anos, sempre fez questão de marcar sua posição em várias questões candentes. Ele denunciou conflitos agrários ao lado de Dorothy Stang, foi um dos primeiros a se posicionar contra a construção da usina de Belo Monte e fez, há alguns anos, a acusação de que crianças e adolescentes eram vítimas de exploração sexual por parte de políticos importantes da região. Isso lhe rendeu ameaças de todos os tipos que continuam até hoje e o obrigam a lançar mão de quatro policiais para garantir sua integridade. “Meus inimigos têm desejo de enriquecimento rápido e não duvido que não hesitariam em passar por cima do meu cadáver”, diz ele. 

A luta dos bispos tem rendido frutos. Nos últimos anos, a ação da polícia se tornou mais frequente e vários setores da sociedade paraense estão se engajando no combate. Na última semana, os empresários do ramo hoteleiro do Estado criaram um código de conduta para evitar o chamado turismo sexual, prática que pode aumentar bastante durante a realização da Copa de 2014. Outra iniciativa importante vem do governo federal. A Secretaria de Direitos Humanos prepara um pacote de ações para prevenir a exploração sexual em áreas como Belo Monte, já que normalmente a migração intensa de operários em obras de grande porte resulta no aumento da prostituição. “Nossa atitude é totalmente preventiva, estamos planejando ações de fortalecimento dos conselhos tutelares e há uma operação já organizada para a região”, adiantou a ministra Maria do Rosário. A SDH é responsável pelo Disque 100, número que recebe reclamações de violações de direitos humanos e principalmente de exploração sexual. A ideia é boa, mas no Pará ainda não pegou. “É difícil fazer divulgação desse tipo de serviço aqui. Em muitos lugares do interior o telefone simplesmente não funciona”, explica dom Flávio Giovenale. 

Como solução para o problema, os religiosos sugerem duas providências: prevenção e repressão. A primeira parte ficaria por conta das políticas de educação e criação de emprego e renda. A segunda, por conta da polícia. “De qualquer forma, notamos que as pessoas estão mais atentas ao problema. Antes muitos fingiam que não viam”, afirma dom Ascona. Para ele, esse é o primeiro estágio para a solução: “Sem conhecer a verdadeira dimensão do problema, não há como remediá-lo.”]

ECOLOGIA SOCIAL: POBRESA E ECONOMIA



Leonardo Boff

Hoje se fala das muitas crises sob as quais padecemos: crise econômica, 
crise energética, crise social, crise educacional, crise moral, crise 
ecológica, crise espiritual etc. Se olharmos bem, verificamos que, na 
verdade, todas as crise se encontram numa fundamental: a crise do tipo de 
sociedade que criamos a partir dos últimos 400 anos. Esta crise é global 
porque este tipo de sociedade se difundiu ou foi imposta praticamente no 
globo inteiro. 

Qual é o primeiro sinal visível que caracteriza este tipo de sociedade? É 
que ela produz sempre pobreza e miséria de um lado e riqueza e acumulação do 
outro. Este fenômeno se nota ao nível mundial. Aí há poucos paises ricos e 
muitos paises pobres. Nota-se principalmente ao nível das nações: poucos 
estratos beneficiados com grande abundância de bens de vida (comida, meios 
de saúde, de moradia, de formação, de lazer) e grandes maiorias carentes do 
que é essencial e decente para a vida. Mesmo nos paises chamados 
industrializados do hemisfério norte, notamos bolsões de pobreza 
(terceiromundializaçã o no primeiro mundo) como existem também setores 
opulentos no terceiro mundo (uma primeiromundialização do terceiro mundo) 
no meio de miséria generalizada. 

Por que é assim? As críticas vão denunciar porquê. 

l. Três críticas ao modelo de sociedade atual 

Há três linhas de crítica ao modelo de sociedade atual. Gostaríamos de 
enunciá-las rapidamente. 

A primeira é feita pelos movimentos de libertação dos oprimidos. Ela diz: o 
núcleo desta sociedade não está construído sobre a vida, o bem comum de 
todos, a participação e a solidariedade entre os humanos. O eixo 
estruturador está na economia. Ela é um conjunto de poderes e instrumentos 
de criação de riqueza - e aqui vem a característica básica - mediante a 
depredação da natureza e a exploração do seres humanos. A economia é a 
economia do crescimento ilimitado, no tempo mais rápido possível, com o 
mínimo de investimento e a máxima rentabilidade. Quem conseguir se manter 
nesta dinâmica e obedecer a esta lógica, acumulará e será rico. Mas tudo 
isso à custa de um permanente processo de exploração. 

Portanto, a economia se orienta por um ideal de desenvolvimento que se 
coloca entre dois infinitos: o dos recursos naturais pressupostamente 
ilimitados e do futuro indefinidamente aberto para frente. 

Para este tipo de economia do crescimento, a natureza é degradada a um 
simples conjunto de "recursos naturais", ou à matéria prima em 
disponibilidade dos interesses humanos. Os trabalhadores são considerados 
como "recursos humanos" ou pior ainda "material humano" em função de uma 
meta de produção. Como se depreende, a visão é instrumental e mecanicista: 
pessoas, animais, plantas, minerais, enfim, todos os seres perdem sua 
autonomia relativa e seu valor intrínseco. São reduzidos a meros meios para 
um fim fixado subjetivamente pelo ser humano que se considera o centro e o 
rei do universo, Este quer enriquecer e acumular bens para si. 

Qual a crítica principal que se faz a esta linha? É constatar que esse 
modelo não consegue criar riqueza sem ao mesmo tempo gerar pobreza; não é 
capaz de gestar desenvolvimento econômico sem simultaneamente produzir 
exploração social local e internacional. E ainda não é democrático, porque 
monta um sistema político de controle e de domínio. Ou cria democracias de 
elite (as nossas democracias liberais, representativas) ou democraturas 
(democracias sob a tutela militar). Mas nunca se instaura uma democracia que 
respeita a palavra democracia, quer dizer, a forma de organização social 
assentada sobre as maiorias, forma que se articula ao redor do bem estar da 
maioria, mediante a participação, que cria mais e mais níveis de igualdade e 
o sentimento de solidariedade com o respeito das diferenças, que são vistas 
como complementares. Desta crítica nasceram os movimentos dos oprimidos por 
sua libertação, que vão desde a luta dos sem terra, sem teto até os 
sindicatos bem organizados e combativos. Destarte nasceu uma cultura da 
cidadania, da democracia, da participação, da solidariedade e da libertação. 
Aqui lança suas raízes a teologia da libertação, a primeira síntese 
teológica nascida no terceiro mundo (América Latina) com repercussões em 
todas as Igrejas e nos centros metropolitanos de pensamento. 

Postula-se um desenvolvimento que atenda as demandas de todos e não apenas 
dos mais fortes. 

A segunda linha crítica vem dos grupos pacificistas e da não-violência 
ativa. Estes grupos notam que o tipo de sociedade de desenvolvimento 
desigual produz muita violência. Violência social e injustiça societária, 
por causa da própria desigualdade, violência a nível nacional e 
internacional. Esta violência é conseqüência direta da dominação de paises 
que detém poder tecno-científico sobre os outros mais atrasados. O conflito 
generalizado tem mil rostos, dos quais os mais conhecidos são os conflitos 
de classe, de etnias, de gênero e de religiões. O modelo vigente de 
sociedade não favorece a solidariedade, mas a concorrência, não o diálogo e 
o consenso, mas a luta de todos contra todos. Por isso, as potencialidades 
humanas de sensibilidade pelo outro, de ternura pela vida, de colaboração 
desinteressada são secundarizadas para dar lugar aos sentimentos menores da 
exclusão e da vantagem pessoal ou classista. Para manter a coesão mínima de 
uma sociedade desestabilizada internamente, se fazem necessários corpos 
militares para controle e repressão. Ao nível mundial dos blocos (seja antes 
socialistas e liberais e agora ricos e pobres, sul e norte) se cria o 
complexo militar-industrial que incentiva a corrida armamentística e a 
militarização de toda a existência. Dados recentes apontavam que 2/3 da 
inteligentzia mundial trabalha em projetos militares. Mesmo depois do fim da 
guerra fria, se aplicam na indústria da morte cerca de l-3 trilhões de 
dólares ao ano; para a preservação do planeta terra, sequer l30 bilhões de 
dólares. 

Assim, surgiram movimentos pela paz e pela não-violência ativa. Postula-se 
um modelo social que chegue à justiça, mediante a democracia social. A 
violência militar e a guerra atômica, química e bacteriológica constituem 
formas específicas de agressão global, capazes de produzir o ecocídio, 
biocíodio e geocídio de vastas regiões do planeta. 

O terceiro grupo de crítica nos interessa diretamente: são os movimentos 
ecológicos. Eles constatam que o tipo de sociedade e de desenvolvimento que 
ela se propõe, não produz riqueza sem ao mesmo tempo gerar degradação 
ambiental. O que o sistema industrialista mais produz é lixo, rejeitos 
tóxicos, escórias radioativas, contaminacão atmosférica, chuvas ácidas, 
diminuição do ozônio, envenenamento da terra, das águas e do ar, numa 
palavra, deteriorização da qualidade de vida. A fome da população, as 
doenças, a falta de habitação, de educação e lazer, a ruptura dos laços 
familiares e sociais são agressões ecológicas contra o ser mais complexo da 
criação que é o ser humano, especialmente, o mais indefeso que é o pobre e 
marginalizado. 

Estas preocupações estão originando uma cultura ecológica, quer dizer, a 
consciência coletiva da responsabilidade dos seres humanos pela 
sobrevivência do planeta, das espécies animais e vegetais, responsabilidade 
na superação da miséria e da pobreza social no mundo, pelas relações que 
devem permitir vida para todos e um bem estar dos seres humanos e de todos 
os seres da natureza. 

Importa hoje articular todas estas frentes críticas ao sistema imperante. 
Urge secundar o surgimento de um paradigma novo de sociedade que não repita 
os equívocos e erros do velho e integre mais humanamente os seres na 
sociedade. E estabeleça relações mais benevolentes para com o meio-ambiente. 

2. Somos parte de um imenso equilíbrio: ecologia social 

Queremos agora aprofundar a terceira corrente, a ecológica, na sua dimensão 
social. O grande desafio vem da pobreza e da miséria. Esses são nossos 
principais problemas ecológicos e não o mico-leão dourado, o urso panda da 
China e as baleias do Atlântico Norte. 

Digamos logo de saída: pobreza e miséria são questões sociais e não naturais 
e fatais. Elas são produzidas pela forma como se organiza a sociedade. Hoje 
temos consciência de que o social é parte do ecológico no seu sentido amplo 
e verdadeiro. Ecologia tem a ver com as relações de tudo com tudo em todas 
as dimensões. Tudo está interligado. Não há compartimentos fechados, o 
ambiental de um lado, o social de outro etc. A ecologia social pretende 
estudar as conexões que as sociedades estabelecem entre seus membros e as 
instituições e todos eles para com a natureza envolvente. 

Antes de mais nada, cumpre enfatizar: 
- Não basta, em ecologia, o conservacionismo: conservar as espécies em 
extinção, como se a ecologia se restringisse somente a um setor da natureza, 
aquele biótico ameaçado. Hoje, todo o planeta deve ser conservado, porque 
todo ele está ameaçado. 

-Não basta o preservacionismo: preservar, por reservas ou parques naturais, 
regiões onde se conserva o equilíbrio ambiental. Isso propicia apenas o 
turismo ecológico e induziria a um comportamento reducionista; somente 
nestas reservas o ser humano teria um comportamento de respeito e veneração, 
em outros lugares obedeceria a lógica da devastação. 

-Não basta o ambientalismo, como se a ecologia tivesse apenas a ver com 
ambiente natural, com o verde, as águas e o ar. Esta perspectiva pode ser 
até anti-humanista, segundo a qual, o ambiente é melhor sem o homem/mulher. 
Estes seriam antes o satã da terra do que o anjo bom e protetor. Diz-se: 
onde o ser humano anuncia sua presença, revela agressão e apropriação 
egoísta dos bens da terra. Essa visão ambientalista é encontradiça em 
muitos, no hemisfério norte. Depois de haverem dominado política e 
economicamente o mundo, o querem, purificado, somente para si. A realidade é 
que o ser humano faz parte do meio-ambiente. Ele é um ser da natureza, com 
capacidade de modificar a natureza e a si mesmo e assim fazer cultura; ele 
pode agir com a natureza expandindo-a, bem como contra a natureza, 
agredindo-a. Devemos estar atentos a um ambientalismo político que esconde 
por detrás de seus projetos, uma atitude de permanente violação ecológica. 
Este ambientalismo político quer uma harmonia entre sociedade e ambiente. 
Mas esta harmonia visa desenvolver técnicas para saquear o ambiente natural 
com a menor alteração possível do habitat humano. Perdura nesta visão a 
idéia de saquear a terra, de que o ser humano deve dominar a natureza; então 
mais que uma harmonia permanente, se quer, na verdade, uma trégua, para a 
natureza se refazer das chagas, para em seguida continuar a ser devastada. O 
que importa, hoje, é ultrapassar o paradigma da modernidade, devastador e 
energívoro e desenvolver uma nova aliança ser humano-natureza, aliança que 
os faz a ambos aliados no equilíbrio, na conservação, no desenvolvimento e 
na garantia de um destino e futuro comum. 

- Não basta a ecologia humana, que se ocupa com as ações e reações do ser 
humano universal, relacionado com o meio-ambiente. Ela é importante, porque 
trabalha as categorias mentais (ecologia mental) que faz com que o ser 
humano singular seja mais ou menos benevolente ou mais ou menos agressivo. 
Mas é ainda uma visão idealista, pois o ser humano não vive no geral, mas 
nas malhas de relações sociais. As próprias predisposições mentais e 
psíquicas possuem uma característica eminentemente social. Por isso 
precisamos de uma adequada ecologia social que saiba articular a justiça 
social com a justiça ecológica. É dentro da ecologia social que os temas da 
pobreza e da miséria devem ser discutidos. Pobreza e miséria são questões 
eco-sociais que devem encontrar uma solução eco-social. 

a) Que é a ecologia social 
Há já reflexões maduras sobre a ecologia social. A começar pela contribuição 
da enciclopédia francesa de ecologia de Charboneau Rhodes, das obras de 
antropologia social de Edgar Morin. Importante é o aporte canadense de M. 
Bookchin e do norueguês A. Naess. Mas ganhou força na A .Latina, 
particularmente depois da Iª Conferência Internacional sobre meio 
ambiente,organizada pelas Nações Unidas em 1972 em Estocolmo. Aí se 
confrontaram as duas visões básicas, dos paises do Norte, preferentemente 
ambientalista e dos paises do Sul, preferentemente político-social. Ai 
surgiu uma vertente forte latino-americana de ecologia social, no Peru com 
Carlos Herz e Eduardo Contreras e no Uruguai que encontrou em Eduardo 
Gudynas um de seus melhores formuladores. 

Ele define assim a ecologia social: "é o estudo dos sistemas humanos em 
interação com seus sistemas ambientais" (Ecología social: la ruta 
latinoamericana, CIPFE 1990). Os sistemas humanos abarcam os seres humanos 
individuais, as sociedades e sistemas sociais. Os sistemas ambientais 
comportam componentes naturais (selvas,desertos, cerrados) , civilizacionais 
(cidades, fábricas) e humanos: homens, mulheres, crianças, etnias, classes 
etc). 

b) Quais as principais questões da ecologia social 
Segundo os referidos autores, os postulados básicos ecologia social são os 
seguintes: 

l. O ser humano sempre interage intensamente com o ambiente. Nem o ser 
humano nem o ambiente podem ser estudados separadamente. Há aspectos que 
somente se compreendem a partir desta interação mútua, particularmente as 
florestas secundárias,toda a gama de sementes (milho,trigo, arroz etc) e de 
frutas que são resultado de milhares de anos de trabalho sobre sua genética. 

2. Esta interação é dinâmica e se realiza no tempo. A história dos seres 
humanos é inseparável da história de seu ambiente e de como eles inter-agem. 

3. Cada sistema humano cria seu adequado ambiente. É diferente e possui 
simbolizações singulares, por exemplo, o ambiente próprio habitado pelos 
yanomamis, pelos seringueiros ou pelos latifundistas, pelos europeus ou 
pelos indianos. 

4. A ecologia social se interessa por tais questões como: 
Através de que instrumentos os seres humanos agem sobre a natureza: com 
tecnologia intensiva,como por exemplo com agrotóxicos ou com adubos 
orgânicos? De que forma os seres humanos se apropriam dos recursos naturais, 
de forma solidária, participativa ou elitista,com tecnologias não 
socializadas? Como são eles distribuídos, de forma eqüitativa, consoante o 
trabalho de cada um, atendendo as necessidades básicas de todos ou de forma 
elitita e excludente? Uma distribuição desigual afeta de que maneira os 
grupos humanos? Que tipo de discurso usa o poder para justificar a 
concentração em poucas mãos, por isso, sua relação de desigualdade que tende 
à dominação? Como reagem os movimentos sociais no confronto com o estado e 
com o capital e para melhorar a qualidade de vida no trabalho, na cidade e 
no campo? 

Pertence à discussão da ecologia social, a miséria e a pobreza das 
populações periféricas, a concentração de terras no campo e na cidade, as 
técnicas agrícolas e agropecuárias, o crescimento populacional e o processo 
de inchamento das cidades,o comércio internacional de alimentos e o controle 
de patentes, a produção do buraco de ozônio, o efeito estufa, a dizimação 
das florestas tropicais e a ameaça à floresta boreal, o envenanamento das 
águas,dos solos,da atmosfera etc. 

c) Uma ecologia integral 
Para uma perspectiva integral, a sociedade e a cultura pertencem também ao 
complexo ecológico. Ecologia é a relação que todos os seres, vivos e não 
vivos, naturais e culturais têm entre si e com o seu meio-ambiente. Nesta 
perspectiva também as questões econômicas, políticas,sociais, educacionais, 
urbanísticas, agrícolas entram no campo de consideração da ecologia,como 
ecologia social. A questão de base em ecologia é sempre esta: em que medida, 
esta ou aquela ciência, atividade social, prática institucional ou pessoal 
ajuda a manter ou a quebrar o equilíbrio de todas as coisas entre si, a 
preservar ou destruir as condições de evolução/desenvolvime nto dos seres? 
Nós somos parte, com tudo o que somos por natureza e fizemos por cultura, de 
um imenso equilíbrio, do ecossistema. Diz um dos bons ecólogos sociais na 
América Latina, Ingemar Edström, um sueco que vive há anos na Costa Rica: 

"A ecologia chegou a ser uma crítica e até uma denúncia do funcionamento das 
sociedades modernas. Entre as coisas que se tem denunciado temos a 
superexploraçã o do hemisfério sul, quer dizer, o chamado terceiro mundo, 
por parte dos paises comparativamente ricos do norte, do chamado primeiro 
mundo. Neste sentido, tomar consciência sobre a problemática ecológica 
global deve significar adquirir consciência da situação socio-econômica, 
política e cultural de nossas sociedades,o que implica conhecer a situação 
de exploração dos paises do sul pelos industrializados do norte" (Somos 
parte de un gran equilibro,DEI, Costa Rica l985,12). 

3. O atual sistema social é anti-ecológico e gerador de miséria 

Dentro dos parâmetros da ecologia social devemos denunciar que o sistema 
social dentro do qual vivemos - a ordem do capital,hoje mundialmente 
integrado - é profundamente anti-ecológico. 

Em todas as fases ele se baseou e se baseia na exploração das pessoas e da 
natureza. No afã de produzir desenvolvimento material ilimitado,ele cria 
desigualdades entre o capital e o trabalho. Disso se segue exploração dos 
trabalhadores com toda a sequela de deteriorização da qualidade de vida. 

Entre nós ele se implantou a partir da Conquista no século XVI com grande 
virulência pelo genocídio, impondo aos que aqui viviam uma forma de 
trabalhar e de se relacionar com a natureza que implicava o ecocídio,vale 
dizer,a devastação de nossos ecosistemas. Nós fomos incorporados a uma 
totalidade maior que é a economia capitalista. Nosso sistema capitalisa é de 
economia de exportação dependente. 

Implantou-se aqui a apropriação privada da terra, de suas riquezas e das 
águas que são fonte de riqueza. Esta apropriação se operou de forma 
profundamente desigual e irracional. Uma minoria possui as melhores terras, 
muitas vezes,não cultivadas. As terras mais pobres foram deixadas para as 
maiorias que para sobreviver tem que superexplorá- las e esgotar o solo, 
terminando por desflorestar as matas e quebrando o equilíbrio natural. Os 
negros antes escravizados, com a libertação jurídica, não foram compensados 
em nada. Da casa grande foram jogados diretamente nas favelas. Tiveram que 
ocupar os morros, desmatar, abrir valas para o saneamento ao ar livre e 
assim viver sob ameaças de muitas doenças, de desabamentos e de mortes. 
Todas estas manifestações significam outras agressões ao meio provocadas 
socialmente. 

Hoje a Conquista continua especialmente através da dívida externa que 
comporta, em seu bojo, uma forte agressão às relações sociais, uma 
devastação social dos pobres e a contaminação da biosfera pela tecnologia 
suja que nos é imposta. 

Mais e mais fica claro que a dívida externa tem fundamentalmente um 
significado político. Economicamente os bancos já se asseguraram e se 
protegeram contra o não-pagamento dela. Mesmo assim é mantida por sua 
importância política como instrumento de controle e aumento da dependência a 
partir dos centros de poder nos paises do Norte. Pela dívida o sistema 
continua se impondo a si mesmo, sua lógica e sua perpetuação. Ele estimula 
um desenvolvimento que privilegia os mega-projetos e as mono-culturas (soja 
no Brasil, gado na A.Central, frutas no Chile): ele fornece créditos para 
implementar tais projetos com financiamentos do Banco Mundial e do FMI; com 
isso se cria o endividamento; o pagamento da dívida e de seus juros se faz 
pela exportação; mas pela exportação,cujos preços são aviltados no mercado 
mundial, não se consegue honrar toda a dívida; então se reduzem os 
investimentos sociais para com a sobra compensar parte da dívida; esta 
estratégia produz uma devastação social em termos das políticas publicas 
concernentes a alimentação,saú de,criação de empregos e organização das 
cidades; junto com esta taxa de perversidade social caminha o deficit 
ambiental,pois os pobres ocupam áreas perigosas nas cidades,se lançam na 
fronteira agrícola,destruindo, no esforço de sobreviver, florestas,produzind 
o queimadas,poluindo os rios pelos garimpos ou por pesca e caça predatórias; 
por causa da insolvência dos paises devedores, fazem-se novos empréstimos 
para pagar os juros,com novos juros aumentados como condição para 
financiamento de novos projetos ; e assim recomeça a ciranda da 
dependência,do neo-colonialismo e da dominação. 

Cancelar a dívida não resolveria a questão. Enquanto permanecer o modelo de 
desenvolvimento imperante, saqueador dos homens e da natureza, voltado para 
fora, produzindo o que os ricos querem que produzamos para eles consumirem, 
e não atendendo o mercado interno, o círculo vicioso retornaria com as 
mesmas conseqüências perversas. 

O economista americano Kennet E.Baoulding chama a economia capitalista de 
economia de cowboy: baseia-se na abundância aparentemente ilimitada de 
recursos e de espaços livres para invadir e se estabelecer. É o 
antropocentrismo desbragado. 

A outra economia, para a qual devemos caminhar, a chama de economia da nave 
espacial terra. Nesta nave, como em qualquer avião, a sobrevivência dos 
passageiros depende do equilíbrio entre a capacidade de carga do aparelho e 
as necessidades dos passageiros. Disso resulta que o ser humano deve se 
acostumar à solidariedade, como virtude fundamental, encontrar o seu lugar 
no sistema ecológico equilibrado, no sentido de poder produzir e reproduzir 
a sua vida a vida dos demais seres vivos e ajudar a preservar o equilíbrio 
natural. A terra, portanto, é um sistema fechado, equilibrado e não aberto 
que permita qualquer tipo de aventura anti-ecológica. 

Das reflexões feitas até aqui se depreende a interelação existente entre 
sociedade e meio-ambiente, como um influencia positiva ou negativamente o 
outro. 

A proposta de Chico Mendes se tornou paradigmática. Propunha o 
desenvolvimento extrativista que combinava o social com o ambiental. Ele 
compreendeu que os povos da floresta (questão social) precisam da floresta 
para sobreviver (questão ambiental). Ele se deu conta também dos dois tipos 
de violência, violência ecológica contra o meio-ambiente e violência 
social,violência contra os indígenas e seringueiros. Ambas obedecem a mesma 
lógica, lógica de acumulação via dominação de pessoas e coisas. 

Como se fará então o desenvolvimento e como se montará a sociedade dos povos 
da floresta que rompa com esta lógica? Em primeiro lugar há de se respeitar, 
apoiar e reforçar todo o conhecimento que aqueles povos da floresta 
(indígenas e seringueiros) desenvolveram com milênios de história, seu 
conhecimento da natureza,das árvores,das ervas,do solo,dos ventos,do ruído 
da selva. E ao mesmo tempo, incorporar tecnologias novas que tragam mais 
benefícios sociais com a salvaguarda do equilíbrio natural e social. 

4. Uma ética sócio-ambiental 

É neste contexto que emerge uma nova exigência, de uma ética que não apenas 
se restrinja aos comportamentos dos seres humanos entre si, mas em sua 
relação para com o meio-ambiente (ar, terra, água, animais, florestas, etc). 

Devemos de saída, ir além uma compreensão da ética ambiental, recorrente nos 
paises ricos do Norte. Segundo esta ética, devemos superar nosso 
antropocentrismo, limitar a violência contra a natureza presente no 
paradigma de desenvolvimento ilimitado, acolher a alteridade dos demais 
seres da criação, desenvolver reverência face à totalidade da natureza. 
Desta ética emerge, certamente, uma nova benevolência e até a recuperação de 
um encantamento perdido pelo processo de tecnificação e secularização. Há 
valores inestimáveis nesta ética ambiental. 

Mas ela omite em sua reflexão um elo fundamental: o contexto social, com 
suas contradições. Não há apenas o meio-ambiente. Nele, estão os seres 
humanos socializados na forma de morar, de trabalhar, de distribuir os bens, 
de agir e reagir com referência a este meio-ambiente; neste contexto social 
há violências, há os condenados a viver em péssima qualidade de vida, com ar 
poluído, com águas empestadas, morando sobre solos envenenados. Há aqui uma 
nova agressão. 

A ética não pode ser apenas ambiental, mas sócio-ambiental, pois, como 
vimos, o ambiente vem marcado pelo social e o social pelo ambiental. 

Discernimos, pois, dois tipos de injustiças: a injustiça sócio-econômico- 
política, conseqüência da violência contra os trabalhadores, contra os 
cidadãos e contra as classes subalternas. Esta injustiça atinge diretamente 
as pessoas e as instituições sociais. Existe também a injustiça ambiental 
que é a violência contra o meio-ambiente, contra o ar, contra a camada de 
ozônio, contra as águas. Estas injustiças afetam indiretamente, mas de forma 
perversa, a vida humana, produzindo doenças, desnutrição e morte. Não 
somente para a biosfera, mas também de forma mais global sobre todo o 
planeta. 

Impõe-se, portanto, uma justiça social que se compagine com a justiça 
ambiental. 

Esta nova ética sócio-ambiental deve manter-se eqüidistante de duas 
crispações que sempre quebram o equilíbrio ecológico: o naturismo e o 
antropocentrismo. Pelo naturismo, se concebe a natureza como um sujeito 
hipostaziado, em si, com suas leis imutáveis, intocáveis e sagradas; os 
seres humanos devem se submeter a elas. O antropocentrismo diz o inverso, o 
ser humano é senhor e rei da criação, pode interferir a seu bel prazer e não 
deve sentir-se ligado e limitado por nada da natureza. 

Estas visões são equivocadas, porque separam o que deve vir junto. Natureza 
e ser humano são sempre interdependentes, um está dentro do outro, são 
partes de um todo maior. Existe o ecosistema planetário; dentro dele, como 
um dos seres singulares, está o ser humano, homem/mulher, está a sociedade 
como conjunto de relações entre estes seres com suas instituições e 
estruturas de significação. 

Como parte e parcela do meio-ambiente, o ser humano possui a sua 
singularidade. É da espécie dos seres vivos que se apresenta como um sujeito 
moral. Quer dizer, um ser vivo complexíssimo, capaz de agir livremente, de 
sopesar argumentos em favor e em contra, de tomar posição movido não apenas 
por interesses mas também por solidariedade, por compaixão e amor. Pode 
eventualmente pensar e agir a partir dos interesses do outro. Pode ainda por 
solidariedade e amizade, sacrificar vantagens pessoais. Ele pode interferir 
nos ritmos da natureza. Tudo isso o torna um ser responsável. É a 
responsabilidade que o faz um ser ético. Pode se sentir o anjo bom da 
natureza, seu guardião, herdeiro responsável pela herança que recebeu do 
Criador. Como pode se comportar como satã da terra, destruir, quebrar 
equilíbrios e devastar espécies de seres vivos e até seus semelhantes. 

No processo histórico-cultural, o ser humano sempre interferiu no 
meio-ambiente. Aplicou violências bem como aplicou seu engenho para melhorar 
em seu benefício certas espécies (o tomate, a batatinha, o milho, etc). Os 
incômodos ecológicos eram de pouca monta, à exceção talvez, dos maias que 
devastaram a natureza a ponto de se autodestruirem como cultura. Mas nos 
últimos quatro séculos com a montagem da máquina industrialista, a agressão 
se fez maciça e sistemática, transformando tudo em recurso para a acumulação 
e benefício, primeiro dos setores que detinham privadamente esses meios e em 
seguida dos demais. 

O resultado atual é desolador. O ser humano elaborou uma relação injusta e 
humilhante para com a natureza. A terra não agüenta mais a máquina de morte 
ou a voracidade capitalista. Impõe-se uma justiça ecológica. 

A justiça ecológica significa: o ser humano tem uma dívida de justiça para 
com a terra. A terra possui sua dignidade, sua alteridade, seus direitos; 
ela existiu há milhões de anos antes que surgisse o ser humano. Ela tem 
direito a continuar a existir em sua complexidade, com o seu patrimônio 
genético, com seu bem comum, com o seu equilíbrio e com as possibilidades de 
continuar a evoluir. 

Um de seus filhos, o ser humano, se voltou contra ela. A justiça ecológica 
se propõe uma nova atitude para com a terra, de benevolência e de mútua 
pertença e ao mesmo tempo uma atitude de reparação das injustiças 
praticadas. Se o projeto técnico-cientí fico desestruturou, ele pode hoje 
redimir. 

Essa injustiça ecológica (contra o meio-ambiente) se transformou também numa 
injustiça social porque pela exaustão dos recursos, pela contaminação 
atmosférica, enfim pela má qualidade de vida foi atingido o ser humano e a 
inteira sociedade. 

Esta nova ética sócio-ambiental só se implementa se surgir mais e mais uma 
nova consciência planetária, a consciência da responsabilidade comum para 
com o destino comum de todos os seres. Desta consciência vai se formando 
lentamente uma nova cultura ecológica, o predomínio de um novo paradigma 
mais reverente e integrador para com o meio-ambiente. 

Um notável filósofo da ética da responsabilidade, Hans Jonas, formulou 
assim, na linha de Kant, um novo imperativo ético para nossos dias: 

"Comporta-te de tal maneira que os efeitos de tuas ações sejam compatíveis 
com a permanência da natureza e da vida humana sobre a terra". 

Teologicamente podemos falar de pecado ecológico. Quer dizer, daquelas 
atitudes que comprometem o equilíbrio ecológico e a evolução e que provocam 
conseqüências perversas para os seres vivos e para os humanos. 

Esse pecado ecológico não se restringe apenas ao presente. Ele alcança o 
futuro, pois podem ser feitas intervenções na natureza cujas conseqüências 
se prolongam para além da geração atual, atingindo aqueles que ainda não 
nasceram. O preceito bíblico: "Não matarás"( Ex 20, l3) abarca também o 
biocídio e o ecocídio futuros. Não nos é permitido criar condições 
ambientais e sociais que produzam futuramente doenças e mortes aos seres 
vivos, humanos e não humanos. O pecado ecológico é um pecado social e 
histórico. 

Em razão destes efeitos se entende a solidariedade generacional; cumpre 
sentirmo-nos solidários para com aqueles que ainda não vieram a este mundo. 
Eles têm direito de viver, de não ficar doentes, de desfrutar da natureza, 
de consumir águas limpas, respirar ar oxigenado, de contemplar as estrelas, 
a lua e o sol, enfim a natureza conservada e integrada humanamente. 

Conseqüência desta nova consciência ética é a assim chamada reconversão da 
dívida externa dos paises devedores em função de políticas protetoras do 
meio-ambiente natural e social. Segundo esta proposta, parte da dívida 
externa seria cancelada, desde que os estados e as empresas se dispusessem a 
proteger o meio-ambiente e a manter relações sociais mais simétricas e 
justas. Mas não basta a reconversão da dívida feita aos estados e às grandes 
empresas. Para ser socialmente justa, deveria incorporar como interlocutores 
também os grandes movimentos sociais e seus representantes. Eles seriam 
sujeitos de uma transformação econômica, política e social que atenderia 
suas demandas históricas e que articulasse a justiça social com a justiça 
ecológica de forma permanente. 

Por outra parte, é farisaico e injusto que os paises ricos do Norte exijam 
atenção ao meio-ambiente aos paises pobres do Sul, se não lhes dão condições 
técnicas que facilitem a preservação ecológica. Antes pelo contrário: o que 
assistimos é a transferência de tecnologias sujas para os paises pobres a 
fim de que produzam para o mercado interno e internacional os produtos ainda 
consumíveis, mas produzidos com uma taxa considerável de prejuízos 
ecológicos. 

A ecologia convencional surgiu desvinculada do contexto social. Igualmente 
as teologias vigentes, também a Teologia da Libertação, foram elaboradas sem 
inserir o contexto ambiental. Agora importa completar as perspectivas numa 
visão mais completa e coerente: a lógica que leva a dominar classes, oprimir 
povos e discriminar pessoas é a mesma que leva a explorar a natureza. É a 
lógica que quer o progresso e o desenvolvimento ininterrupto e crescente, 
como forma de criar condições para a felicidade humana. Mas esta forma de 
querermos ser felizes está consumindo as bases que sustentam a felicidade 
que é a própria natureza e o ser humano. 

Para chegarmos à raiz de nossos males e também ao seu remédio, necessitamos 
de uma nova cosmologia teológica, i.é, de uma reflexão que veja o planeta 
como um grande sacramento de Deus, como o templo do Espírito, o lugar da 
criatividade responsável do ser humano, a morada de todos os seres criados 
no Amor. Ecologia etimologicamente tem a ver com morada. Cuidar dela, 
repará-la e adaptá-la às eventuais novas ameaças, alargá-la para abrigar 
novos seres culturais e naturais, eis a sua tarefa e também a sua missão. 



O teólogo Leonardo Boff é autor de “Virtudes para um outro mundo possível” Vozes 2008.

Risco ambiental à espreita na próxima licitação de petróleo


Ao lado do inimigo. Será possível a convivência da exploração de petróleo com verdadeiros santuários naturais, como manguezais e áreas de reprodução de tartarugas marinhas e corais? Este será um dos maiores desafios da 11ª Rodada de Licitações, que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai realizar nos dias 14 e 15 próximos. A poucos dias do leilão, ambientalistas alertam que pouco se conhece, nas regiões onde estão os blocos da margem equatorial (região que vai da costa do Rio Grande do Norte ao Amapá), sobre as correntes marinhas, ventos e marés. Este conhecimento é necessário para evitar que, em caso de vazamento, o óleo atinja a costa repleta de unidades de conservação. Os blocos estão entre 60 e 100 quilômetros da costa.
A reportagem é de Bruno Rosa e publicada pelo jornal O Globo, 05-05-2013.
Dos 289 blocos que serão ofertados, 170 estão em bacias situadas na margem equatorial, onde não existem os chamados dados primários — obtidos através de pesquisa local, como a temperatura da água, as correntes marinhas, a variação das marés e a rota dos ventos, além da biodiversidade. Apesar de haver um potencial de 7,5 bilhões de barris de petróleo em reservas na margem equatorial, a região conta com 96 unidades de conservação. Deste total, 18 estão no litoral.
Maior costa de manguezais
Assim, especialistas destacam que a exploração exigirá altos investimentos tanto na fase de elaboração dos estudos de impactos ambientais, para obtenção das licenças, quanto na elaboração do Programa de Emergência Individual (PEI).
Segundo Guilherme Fraga Dutra, diretor do Programa Marinho da ONG Conservação Internacional Brasil, o leilão mostra que há falta de planejamento do governo, visto que muitas áreas não têm dados ambientais detalhados:
"Parece haver uma desconexão dos poderes. A ANP oferece os blocos; as empresas compram, e, depois, não conseguem a licença. E isso é ruim para todos. Do Maranhão ao Amapá, há a maior costa de manguezais do país. No Maranhão, há um dos maiores bancos de corais do país, o Parque do Parcel de Manuel Luís, que está próximo de blocos".
O presidente da consultoria CP+, Marcelo Bacci, diz que a região, com santuários ecológicos, é pouco conhecida:
"Os maiores riscos estão relacionados com a possibilidade de vazamento de óleo, que poderia afetar áreas sensíveis e atividades econômicas como a pesca e o turismo. Outro desafio é criar estruturas de combate ao vazamento numa região tão isolada".
O executivo lembra que o Ibama vai exigir das empresas vencedoras os estudos de impacto ambiental e o levantamento dos dados primários, uma vez que os dados existentes são secundários (obtidos de literatura disponível).
"É possível explorar petróleo e preservar o meio ambiente. Alguns dos blocos ofertados se sobrepõem a ecossistemas sensíveis", disse Bacci.
O chefe de gabinete da ANP, o biólogo marinho Sílvio Jablonski, admite que o Ibama deverá exigir das companhias o levantamento de dados primários para conceder o licenciamento e o Programa de Emergência Individual (PEI) terá de conter infraestrutura, como embarcações e bases em terra.
"Com o aval prévio do Ibama, estamos tranquilos que não teremos problemas de licenciamento. O Ibama retirou áreas que poderiam ter ameaça de levar óleo para a costa".
Ibama, por outro lado, diz que há, sim, o risco de, ao se fazer os estudos de dados primários, se inviabilizar a exploração de algum bloco. Além disso, ressalta, os blocos que apresentam os maiores riscos são os próximos à costa .
"Sempre há a possibilidade de o estudo ambiental concluir que o projeto é incompatível com a região. Dados secundários não são ruins. Para a margem equatorial, há poucos dados ambientais como um todo, então será necessária a coleta de informações pelo empreendedor", diz Cristiano Vilardo, coordenador-geral de Petróleo e Gás do Ibama.
Uma fonte do governo federal destacou que os blocos estão a mais de 50 quilômetros da costa e a profundidades superiores a 50 metros do solo marinho. Por isso, acredita que não haverá problemas com as licenças.
"Um ou outro (licenciamento) pode ser um pouco mais rigoroso, mas nada que inviabilize a exploração. A obtenção dos dados primários é de responsabilidade das empresas, não do governo", afirmou a fonte.
Mas Ricardo Baitello, responsável pela campanha de energia do Greenpeace, lembra que as regiões Norte e Nordeste não contam com uma infraestrutura para que a empresa possa agir rapidamente em caso de vazamento.
"Além disso, não há um Plano Nacional de Contigência. E também não está clara a responsabilidade de cada órgão. Cada estado do Norte e Nordeste tem uma legislação e isso traz ainda mais incertezas".
Risco a países vizinhos
Segundo especialistas, uma das áreas mais críticas é a Bacia da Foz do Amazonas. Paulo Cesar Rosman, professor de Engenharia Costeira da Coppe, ressalta que as correntes marinhas predominantes da região vão em direção ao Norte, levando, assim, o óleo em direção à Venezuela em caso de vazamento. Bacci, da CP+, afirma que há risco de contaminação acidental em outros países:
"É um fato inédito nos licenciamentos, o que demandará negociação com os países potencialmente afetados e definirá uma maior complexidade no processo de licenciamento", destacou Bacci.
Assim, para Beatriz Paulo de Frontin, advogada de Direito Ambiental do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, os investimentos serão mais elevados na região.
"Os investidores vão ter que enfrentar as incertezas na hora de adquirir os blocos. Quanto mais próximos a essas áreas sensíveis, maiores serão os investimentos para o controle de um eventual vazamento de óleo", destacouBeatriz.
A advogada Miriam Mazza, do mesmo escritório, diz que o ideal seria ter mais estudos prévios.